sexta-feira, 19 de junho de 2009

Módulo 4 - Referencial teórico-metodológico: Teoria das representações sociais

Representações Sociais: O conceito e o estado atual da teoria
Celso Pereira de Sá


Nesse artigo, Celso Pereira busca dar uma apanhado geral de como se encontra a pesquisa atual nas Representações Sociais. Segundo o autor, o termo designa tato um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los; seria, para ele, uma psicossociologia do conhecimento, na qual Moscovici (1976) queria “redefinir os problemas e os conceitos da psicologia social a partir desse fenômeno. Daí residiria a importância da teoria aqui tratada, por conseguir considerar tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais – sendo os contextos sociais influenciando os comportamentos, estados e processos individuais.

Segundo o autor, Moscovici se opôs a uma perspectiva individualista da psicologia ao buscar uma contrapartida conceitual nas representações coletivas, propostas por Durkheim. Nesta, as representações que a sociedade exprime são fatos sociais, coisas, reais por elas mesmas; são o produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo.

Para Moscovici, as representações sociais deveriam ser reduzidas a uma modalidade específica de conhecimento que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos na vida cotidiana – diferenciando-se assim do conceito proposto por Durkheim devido à “plasticidade, mobilidade e circulação das representações contemporâneas emergentes” (p. 23). Caberia ao novo conceito penetrar nas representações para descobrir a sua estrutura e seus mecanismos internos.

Partindo desse pressuposto, o conhecimento mobilizado na comunicação informal, na vida cotidiana, é analisado sobre os seguintes assuntos e objetos sociais: as disciplinas acadêmicas; a saúde e a doença; as questões ecológicas; a política e a economia; as cidades e suas características; as “classes” de pessoas; a tecnologia e o domínio da natureza; e as desigualdades sociais e educacionais. Seriam estes assuntos que, nas relações interpessoais diárias, demonstram atenção, interesse e curiosidade das pessoas, “demandam sua compreensão e forçam seus pronunciamentos” (p. 25).

Tais representações fazem uma articulação ou combinação de diferentes questões ou objetos – na qual interagem informações e julgamentos valorativos colhidos nas mais variadas fontes e experiências pessoais e grupais. Por isso, esses conjuntos de conceitos, afirmações e explicações que são as representações sociais são consideradas teorias do senso comum, constituídas em um ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana. Por isso, são questões com relevância imediata para os indivíduos.

Daí os grupos ou segmentos socioculturais podem variar quanto ao grau de consistência da informação sobre um determinado assunto, quanto a estrutura de observação, unidade e hierarquização desse conhecimento em um campo de representação, quanto à atitude ou orientação global em relação ao objeto representado. Tudo isso se dá em um processo cognitivo social – fruto de uma sociedade pensante, diz Moscovici, em que indivíduos, mediante episódios cotidianos de interação social, “produzem e comunicam incessantamente suas próprias representações e soluções específicas para as questões que se colocam a si mesmos” (1998, p. 16).

Moscovici considera duas classes distintas de universos de pensamento: os universos consensuais, as atividades intelectuais de interação social cotidiana pelas quais são produzidas as Representações Sociais, em que cada indivíduo é livre para se comportar como um amador ou observador curioso; e os universos reificados – onde se produzem e circulam as ciências e o pensamento erudito em geral, com seu rigor lógico, metodologia, teorização, em que o grau de participação é determinado pelo nível de qualificação.

Nesse processo de transferência e transformação de conhecimentos, é importante o papel desempenhado pelos divulgadores científicos de todos os tipos: jornalistas, cientistas, professores, animadores culturais, marqueteiros e pela crescente ampliação e sofisticação dos meios de comunicação. A representação destes, segundo Herzlich (1977, p. 307), estará a desempenhar um papel “na formação das comunicações e condutas sociais”. Portanto, Celso Pereira utiliza da definição de Jodelet (1989, p. 36) sobre as Representações Sociais “Uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático e que concorre para a construção de uma realidade comum a um coletivo”.

Para realizar uma representação, será necessário reconstituir, retocar e modificar o texto de um dado objeto. E a estrutura de cada representação tem duas faces dissociáveis: a figurativa e a simbólica, entendendo, segundo Moscovici, fazer compreender em toda figura um sentido e em todo sentido uma figura. Celso Pereira diz que foi partindo dessa estruturação que Moscovici caracterizou processos formadores de representações; como objetivar, dar materialidade a um objeto abstrato; e ancorar, fornecer um contexto inteligível ao objeto, classificando-o e denominando-o. Essa classificação se dá mediante a escolha de um dos paradigmas ou protótipos estocados na memória, com o qual compara-se o objeto a ser representado e decide-se se o mesmo pode ou não ser incluído na classe em questão. Na denominação, tira-se de um anonimato para dotar o objeto de uma genealogia e incluí-lo num complexo de palavras específicas, a fim de localizá-lo.

Esse processo de objetivação, ainda, é classificado por Jodelet (1984) em três fases: seleção e descontextualização de elementos da teoria; formação de um núcleo figurativo, a partir de elementos selecionados; e a naturalização dos elementos do referido núcleo, cujas figuras, elementos do pensamento, tornam-se elementos da realidade referentes para o conceito.

Outra proposição teórica é a transformação do não familiar em familiar, pois “a dinâmica dos relacionamentos é uma dinâmica de familiarização, onde objetos, indivíduos e eventos são percebidos e compreendidos em relação a encontros ou paradigmas prévios” (MOSCOVICI, 1984, p. 24). O fato disto ocorrer sob o peso da tradição, da memória, do passado, não significa que não se esteja criando e acrescentando novos elementos à realidade consensual. Ainda assim, o estranho atrai, intriga, e perturba as pessoas e as comunidades, provocando nelas o medo da perda dos referenciais habituais, do sendo da continuidade e de compreensão mútua. Tornando-se familiar, diz Celso Pereira, o estranho “é tornado ao mesmo tempo menos extraordinário e mais interessante”.

Todos esses processos apresentados ocorrem cotidianamente, porque “desde que nós pressupomos que as palavras não falam sobre nada, somos compelidos a ligá-las a alguma coisa, a encontrar equivalentes não-verbais” (MOSCOVICI, 1984, p. 38).

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Representações Sociais: Um domínio em expansão
Denise Jodelet


Nesse artigo, a autora introduz a teoria das Representações Sociais no livro em que organiza. Coube a ela sistematizar o desenvolvimento da pesquisa nesse campo e identificar os pressupostos teóricos utilizados pela pesquisa. Trata-se de um domínio de pesquisa dotado de instrumentos conceituais e metodológicos próprios, que interessa a várias disciplinas.

Segundo Jodelet, a necessidade de estarmos informados com o mundo à nossa volta faz com que precisemos saber como nos comportar, dominá-lo física e intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam – por isso, são criadas as representações. Ao partilhar o mundo com os outros, as representações servem de apoio para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo. A observação dessas representações sociais ocorre naturalmente em múltiplas ocasiões: nos discursos, nas palavras veiculadas em mensagens e imagens da mídia, em condutas e em organizações.

Um exemplo que trata, de início, são as representações sociais feitas, na década de 1980, sobre a AIDS, em que, pela falta de informação clara sobre a doença, pessoas elaboraram teorias apoiadas nos dados de que dispunham, relativos aos portadores e aos vetores do mal. Apoiados em valores variáveis, duas concepções surgiram, segundo os grupos sociais de onde tiram suas significações: uma de tipo moral e social – a AIDS como uma doença-punição que se abate sobre a licença sexual, causando com isso um estigma social que provocou ostracismo e rejeição – e outra de tipo biológico – o contágio poderia ocorrer também por meio de outros líquidos corporais além do esperma, particularmente a saliva e o suor. Jodelet comenta que “elaboradas com o que se apresenta, estas representações se inscrevem nos quadros de pensamento preexistentes e enveredam por uma moral social – faça-se ou não amalgama entre perigos físico e moral” (p. 20).

São diversos elementos que contribuem para a análise: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc., sendo organizados sob a aparência de um saber que diz algo sobre o estado da realidade.

Moscovici foi quem primeiro formulou a teoria, sendo uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social; trata-se de uma forma diferenciada do conhecimento científico – sem por isso ser menos importante para a elucidação dos processos cognitivos e das interações sociais.

Representar ou se representar seria um ato de pensamento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto. Intervém em processos variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais.

Ao observar o campo de pesquisa das representações, são percebidas três particularidades marcantes: vitalidade, transversalidade e complexidade. A primeira pode ser explicada pela sucessão de obstáculos de tipo epistemológico que impediram o desdobramento da noção. Na segunda, percebe-se o florescimento da pesquisa situada na interface do psicológico e do social, sendo interessante para todas as ciências humanas – encontrada especificamente na sociologia, nas diferentes linhas da psicologia, na antropologia, na reflexão dos teóricos da linguagem e na história; o que confere ao tratamento psicossociológico da representação um estatuto transverso, interpelando e articulando diversos campos da pesquisa. Por fim, percebe-se a complexidade ao estudar as representações sociais articulando-se elementos afetivos, mentais e sociais e integrando a consideração de relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual eles têm de intervir.

Essa multiplicidade de perspectivas forma territórios autônomos, em função da ênfase dada a aspectos específicos dos fenômenos representativos – resultando assim em um espaço de estudo, segundo Jodelet, multidimensional. A autora, em seguida, relaciona o esquema de base que caracteriza toda a representação como forma de saber ligando um sujeito a um objeto. É este: (1) a representação social é sempre representação de alguma coisa (objeto) e de alguém (sujeito); (2) tem com seu objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação (conferindo-lhe significações); (3) todo estudo de representação passará por uma análise das características ligadas ao fato de que ela é uma forma de conhecimento; (4) e qualificar esse saber prático se refere à experiência a partir da qual ele é produzido, aos contextos e condições em que ele o é e ao fato de que a representação serve para agir sobre o mundo e o outro, o que desemboca em suas funções e eficácias sociais.

Daí, três ordens de problemáticas são apresentadas: condições de produção e de circulação; processos e estados; estatuto epistemológico das representações sociais. Assim, de acordo com Jodelet, se chega a um postulado fundamental no estudo das representações sociais: “o da inter-relação, da correspondência, entre as formas de organização e comunicação sociais e as modalidades do pensamento social, considerando sob o ângulo de suas categorias, de suas operações e de sua lógica.

Nessa formulação das representações sociais, a comunicação social tem um importante papel nas trocas e interações que concorrem para a criação de um universo consensual. Serve, de acordo com Jodelet, de válvula para liberar os sentimentos suscitados por situações coletivas ansiógenas ou mal toleradas. As pesquisas que abordam as representações como formas de expressão cultural remetem aos processos de difusão, quer se trate de códigos sociais, que servem para interpretar as experiências dos indivíduos em sociedade, quer se trate de valores e modelos que servem para definir um estatuto social.

Essa incidência da comunicação é examinada por Moscovici em três níveis: (1) ao nível da emergência das representações cujas condições afetam os aspectos cognitivos; (2) ao nível dos processos de formação das representações, a objetivação e a ancoragem que explicam a interdependência entre a atividade cognitiva e suas condições sociais no exercício, nos planos da organização dos conteúdos, das significações e da utilidade que lhe são conferidas; (3) ao nível das dimensões das representações relacionadas à edificação da conduta – opinião, atitude e estereótipo – sobre os quais intervêm os sistemas de comunicação midiáticos.

Partindo desse pressuposto, a comunicação realizada é decorrente à dimensão extensiva no seio de um grupo ou sociedade que realiza partilhas sociais. Como diz Veyne, as conotações sociais do conhecimento não se prendem tanto à sua distribuição entre vários indivíduos, e sim à questão de que “o pensamento de cada um deles é, de diversas maneiras, marcado pelo fato de os outros pensarem da mesma forma sobre algo” (1974, p. 74). A partilha social se refere a um mecanismo de determinações ligadas à estrutura e às relações sociais, em que os indivíduos se aderem a formas de pensamento de determinada classe, do meio ou do grupo a que se pertence, por causa da solidariedade e da afiliação sociais. Diz Jodelet: “Partilhar uma idéia ou uma linguagem é também afirmar um vínculo social e uma identidade” (p. 34).

Compreende-se que a representação preencha certas funções na manutenção da identidade social e do equilíbrio sociocognitivo a ela ligados. Quando a novidade é inevitável, à ação de evitá-la segue-se um trabalho de ancoragem, com o objetivo de torná-la familiar e transformá-la para integrá-la no universo do pensamento preexistente; trata-se de um trabalho essencial da representação e capaz de se referir a todo elemento estranho ou desconhecido no ambiente social ou ideal.

São três tipos de efeito ao nível dos conteúdos representativos: distorções, suplementações e subtrações. No primeiro caso, todos os atributos do objeto estão presentes, porém acentuados ou atenuados, de modo específico. A suplementação consiste em conferir atributos e conotações que não lhe são próprias ao objeto representado; resulta de um acréscimo de significações devido ao investimento do sujeito naquilo e a seu imaginário. A subtração corresponde à supressão de atributos do objeto; resulta do efeito repressivo das normas sociais.

O estudo das representações é feito através de suportes como linguagem, discurso, documentos, eventos intra-individuais. Essa abordagem social das representações trata de uma maneira diretamente observável. Nesse modo de apreender o conteúdo das representações, duas orientações destacam-se: no primeiro, os constituintes das representações – informações, imagens, crenças, valores, opiniões etc.; no segundo caso, são abordados, do ponto de vista semântico, conjunto de significações identificados com a ajuda de diferentes métodos de associação de palavras.

Esses estudos se reportam aos processos que presidem a gênese das representações. Para tanto, a objetivação e a ancoragem são métodos utilizados para a análise do conteúdo empírico.

Por fim, a autora conclui dizendo o atual estado da pesquisa. Segundo ela, vem ampliando há vinte anos, com um multiplicação dos objetos de representação tomados como temas de pesquisa; abordagens metodológicas que se vão diversificando e fazem um recorte de setores de estudo específicos; problemáticas que visam a delimitar melhor certos aspectos dos fenômenos representativos; a emergência de teorias parciais que explicam estados e processos definidos; paradigmas que se propõem a elucidas, sob certos ângulos, a dinâmica representacional.

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